O caso da mestranda da USP que foi
deportada de Madrid quando fazia escala pra Lisboa (comentado pelas Mean Divas, leiam
aqui) pra participar de um congresso de Física me faz lembrar de coisas que aconteceram comigo e outras pessoas quando ainda morava fora.
Assim como a Espanha, Portugal também é um dos destinos preferidos de quem sai do Brasil para trabalhar, seja legalmente ou não. E junto com a massa de imigrantes, há os estereótipos que os acompanham: homem é pedreiro, mulher é manicure.
Mas é claro que há também os estereótipos negativos: homem é bandido, mulher é prostituta. Dizem que há muitas prostitutas brasileiras por lá, mas no meu mundinho limitado de estudante (vida acadêmica = da casa pra biblioteca e da biblioteca pra casa, com pequenas variações), é lógico que eu não conheci nenhuma. Mas o número deve mesmo ser grande, porque a idéia de que toda brasileira é prostituta já está enraizada na cabeça da maioria dos portugueses.
Explicando: uma amiga de Curitiba sempre passava por situações constrangedoras fora de casa. Não era uma questão de preconceito racial, já que a sua pele branquinha fazia jus ao sobrenome de origem austríaco. Sempre tinha a ver com o fato dela ser brasileira. Quando percebiam o sotaque, já tiravam conclusões.
Um vez, quando ela ainda procurava por um quarto para alugar, bateram a porta na cara dela quando perceberam que era brasileira. Ela teve que bater de novo na porta e dizer "olha, eu vim fazer o meu mestrado, tenho visto de estudante!" pra conseguir a atenção da mulher. E foi assim, sucessivamente, até que ela foi parar na residência universitária onde eu morava. Residência essa onde moravam outros brasileiros, que passaram por coisas parecidas em Portugal.
O curioso é saber que nada disso aconteceu comigo. Eu, que também sou mulher, que também sou jovem, que também estava lá pra fazer uma parte do meu mestrado, nunca fui atacada por causa da minha nacionalidade. Também, pudera: com essa cara de oriental, ninguém olhava pra mim e pensava "Essa é brasileira!"...
Já tinham me dito que os portugueses -- e em especial os lisboetas -- davam muita importância às aparências. Mas o que eu testemunhei foi mesmo curioso. Enquanto a minha amiga curitibana levava chutes e pontapés, todos me olhavam com certa curiosidade. Ficavam realmente admirados quando descobriam que eu havia nascido no Brasil, e me faziam perguntas, e demonstravam todo o interesse do mundo. Já ouvi até um "Ah, a sua família veio do Japão? Ahh, pois... Macau já foi colônia portuguesa..."
Macau fica na China, porra!!Fico aqui imaginando que se a moça da USP tivesse voado diretamente de Guarulhos a Lisboa, isso não teria acontecido. Mas há casos de brasileiros que são deportados ao chegar em Portugal, então nada garante. Depois de ter passado pelo inferno que é a graduação em Física, onde apenas meia dúzia se forma, e depois de ter entrado no mestrado, ninguém merece passar três dias preso e ser deportado sem maiores explicações. Aliás, ninguém precisa sofrer por causa da má-fama do seu país. Ela tem mesmo é que sair processando a galera.
***
Pra não dizerem que o meu texto só fala de portugueses preconceituosos: na comunidade do Programa Alban no Orkut -- o programa que me deu a bolsa de estudos --, surgiu faz tempo uma discussão interessante, que ninguém quis levar adiante. Talvez por ser verdade, e por mostrar que no fundo todo mundo tem preconceito.
Disse um rapaz que, devido à sua origem nordestina, ele sofria preconceito dos portugueses
e dos brasileiros. Disse que um dia estava conversando com uma pessoa da região sul ou sudeste, não me lembro, e que essa pessoa perguntou se ele tinha se mudado pra Portugal pra trabalhar como pedreiro, pra "tentar a vida". E ele respondeu calmamente que não, que ele era engenheiro e que tinha ido pra fazer pós-graduação.
Toma...!O problema é que ninguém na comunidade quis admitir que também nós (brasileiros) somos preconceituosos em vários aspectos. Ficou todo mundo se defendendo, dizendo "Eu não sou assim, nós não somos assim". Até parece que nosso país é uma maravilha e todos se amam como irmãos. O Brasil é um lugar estranho, onde não há muito sentimento xenófobo mas há preconceito social/racial interno de sobra, e o fato desse público acadêmico que faz parte daquela comunidade no Orkut se recusar a ver que isso existe é algo verdadeiramente chocante.
"Sometimes I think the surest sign that intelligent life exists elsewhere in the universe is that none of it has tried to contact us." -- Calvin (o do Bill Watterson, não o Calvino!)