segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Em pleno Dia das Bruxas, o dia mais evil do ano, eu estava na Torre do Tombo analisando o microfilme do famoso documento da genela fora doras. O tempo não foi muito gentil com alguns dos Cadernos do Promotor, corroendo e manchando os arquivos da Inquisição sem piedade – talvez com a mesma crueldade do Santo Ofício.

Os anos escorreram como areia fina entre os dedos, mas a querela entre Antónia de Oliveira e Vicência de Faria permaneceu. Em 1645, Antónia enviou uma carta de denúncia à Inquisição de Lisboa, acusando Vicência de bruxaria. As duas se conheciam já há quatro anos, o que me deixa no mínimo intrigada. Quatro anos é o suficente para se formar pelo menos o esqueleto de uma boa amizade, e no entanto lá foi uma comadre mandar prender a outra comadre. Não digo que as duas eram amigas do peito, mas mandar pra fogueira é meio exagerado, não?

Será que o fato de Antónia ter sido dona de casa e mulher de militar, enquanto Vicência era tecedeira e provavelmente desempedida, tem algo a ver com o processo? Ou será que Vicência tinha um caso com Gaspar de Cerqueira – o marido de Antónia – e a fogueira foi o único meio de separar o casal adúltero? Também existe a possibilidade de Antónia ter sido uma pessoa verdadeiramente religiosa, o que a levou a acreditar que Vicência tinha mesmo ligações com o Diabo.

Pessoalmente, acho que o que incomodava a delatora era o fato da outra mulher abrir a janela, nua, em horários não muito civilizados. Convenhamos, a dona Vicência não devia ser aquele espetáculo sem roupa – lembrem-se que no século XVII as mulheres eram bem mais cheinhas, não se banhavam todos os dias e não se depilavam – e ainda por cima gostava de se exibir. Mas que evasão de privacidade!

Pensando bem, se eu tivesse uma vizinha baranga e exibicionista, mandaria mesmo pra fogueira, independentemente dela saber prever o futuro ou não! ;)



PS: Antes que alguém me acuse de ser indelicada ou sem-noção, aviso que a Vicência escapou da fogueira. O processo não deu em nada. :)

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